Para pensar...
Identidade, Cultura e Valores Nacionais
Por Alessandra Leles Rocha
Segundo Hall (2000) 1, no mundo moderno as culturas nacionais
se constituem em uma das principais fontes de identidade cultural; pois, sem um
sentimento de identificação nacional o sujeito moderno experimentaria um
profundo sentimento de perda. Desse modo, as identidades nacionais são formadas
e transformadas no interior de um sistema de representação.
É isso que explica uma nação ter poder
para gerar um sentimento de identidade e lealdade. As culturas nacionais ao
produzirem seus sentidos sobre “a nação” constroem identidades; portanto, as
diferenças entre as nações residem nas formas diferentes pelas quais elas são
imaginadas.
A narrativa da cultura nacional se dá
através dos sentidos contidos nas histórias que são contadas sobre a nação, as
memórias que conectam seu presente com o passado e imagens que dela são
construídas. Assim, consegue-se dar significado e importância à nossa
“monótona” existência, com ênfase nas origens, na continuidade, na tradição e
na atemporalidade.
Como se vê, a construção da nossa
identidade, cultura e valores nacionais se dá por um processo ao longo do
tempo. E é fundamental que seja assim, na medida em que dessas memórias do
passado constituíram-se as bases da convivência social de hoje, resultando na
perpetuação de uma herança identitária que pudesse, apesar das diferenças, ser
uma estrutura de sentido não apenas
material e individual, mas também espiritual e coletiva.
Lembro-me,
por exemplo, com muito carinho o período em que estava aprendendo o hino
nacional. Era um momento emblemático na minha vida; afinal de contas, o
aprendizado do hino aconteceu simultaneamente à minha alfabetização. Enquanto o mundo das palavras se descortinava
diante dos meus olhos tornando-me plena do meu letramento e, consequentemente,
do meu direito cidadão à Educação, o aprendizado do hino, um dos símbolos
nacionais mais significativos, me integrava ainda mais à minha identidade e cultura nacional.
É assim que
se estabelecem os alicerces da nossa cidadania; bem como, do nosso senso cívico.
Quaisquer que sejam as formas de obrigatoriedade ou imposição enfraquecem esse
processo, porque retiram dos indivíduos a naturalidade e o prazer de comungar
desses valores.
Portanto,
para a construção da
nossa identidade, cultura e valores nacionais é preciso que algo positivo estimule
a autoestima do cidadão; ele precisa de razões e motivos reais e concretos para
sentir-se pertencente e integrante aquela sociedade.
Como, então, crer que apenas o ato de
cantar o hino nacional pode despertar esses sentimentos nas crianças, quando a
realidade da própria escola e/ou comunidade as fazem sentir-se à margem da
sociedade? Pesquisas e estudos anuais apontam para o desinteresse escolar contínuo
de crianças e jovens, Brasil afora; então, não precisamos de mais atitudes
impositivas.
Escolas e comunidades, especialmente
as mais carentes, precisam sentir-se abraçadas e percebidas pelo país, para que
o ato de cantar o hino e de celebrar os valores cívicos nacionais, por exemplo,
faça realmente sentido.
Precisamos compreender, de uma vez por
todas, que a grande maioria dos alunos (especialmente, os da rede pública de
ensino) padecem de má alimentação, ausência de material escolar e uniforme,
enfrentam dificuldade de acesso a transporte para irem à escola, enfim... Será
que diante dessas condições eles realmente se sentiriam dispostos a participar
de qualquer atividade educacional?
Enquanto a Base Nacional Comum
Curricular aponta, por exemplo, para as escolas particulares a exigência de
oferecerem uma proposta bilíngue para o ensino de Língua Estrangeira até 2020,
as escolas públicas mal dispõem de condições mínimas de infraestrutura e
tecnologia para o ensino de Língua Estrangeira uma ou duas vezes por semana,
dependendo do Estado da Federação.
Isso demonstra o quanto o principal
instrumento de construção da identidade, cultura e valores nacionais, que é a
Educação, divide a sociedade entre os que se sentem valorizados pelo país e os
que se sentem abandonados ou negligenciados, de alguma forma, por ele.
Não podemos continuar construindo a identidade,
a cultura e os valores nacionais de maneira superficial. Isso, nós já fazemos
muito bem; basta ver como o esporte é
capaz de despertar e mobilizar esses valores na população de maneira espontânea,
num processo de identificação e valorização social imediato.
O ponto em
questão está no entendimento de que isso é um processo, o qual está intimamente
ligado às condições sociais capazes de consolidá-lo. Ser brasileiro é bem mais
do que vestir verde e amarelo, do que gostar de samba, do que beber caipirinha,
do que cantar o hino nacional...
Ser brasileiro é sentir-se integrante
e integrado à sociedade. É encontrar mais razões para gostar, admirar e lutar
em prol do seu país. É ter consciência do seu papel na construção do cotidiano,
do desenvolvimento da nação. Só assim, o brasileiro e a brasileira se apropriarão
da sua identidade, da sua cultura e dos seus valores nacionais.