As palavras do silêncio
As palavras do silêncio
Por Alessandra Leles
Rocha
No último Natal fui intimada por minha família a fazer uma
lista de sugestões de presentes que gostaria de ganhar. Para alguém bastante
ligada à cultura, as artes em geral, é claro que a lista resumiu opções de
livros e filmes.
E como as palavras de William Shakespeare, “Há mais mistérios entre o Céu e a Terra do
que sonha a nossa vã filosofia”, eis que o livro escolhido foi Silêncio
– Na era do ruído, do
norueguês Erling Kagge, publicado no
Brasil pela editora Objetiva. Dentre as sugestões, certamente essa foi a que de
fato contribuiria em cheio para me garantir momentos preciosos de reflexão sobre
a Pós-Modernidade e seus desdobramentos quanto à Identidade, o Consumismo e as
Relações Humanas, assuntos tão caros ao meu interesse pessoal; ainda que, tudo
isso não estivesse claro no momento de elaboração da lista.
Mas, o título não foi parar lá à toa. Ocorre que, por conta
de uma discussão interessante sobre o silêncio no contexto do
ensino-aprendizagem de idiomas, fomentada durante as disciplinas de fonética
que participei nos últimos anos, o assunto despertou a minha atenção. Passei a
me interessar por artigos dentro da Linguística Aplicada e da Fonética e
Fonologia que apontavam cientificamente para a perda da capacidade humana em
ouvir; no sentido, não somente de decodificação de sons, mas, também, de
compreensão e interpretação daquilo que se ouve.
No entanto, a proposta de Erling
Kagge sobre o tema Silêncio foi por
outro viés muito mais interessante, surpreendente e complexo. Talvez, porque o
autor traga consigo uma bagagem de vida muita rica; afinal, estamos falando de um
homem de pouco mais de cinquenta anos que é explorador, escritor, editor e pai
de três meninas adolescentes.
E nessa pluralidade de funções, de repente ele se deparou com
inúmeros questionamentos em relação ao Silêncio,
apesar de viver em um mundo repleto de ruídos, os quais nem sempre estão distantes.
Então, ele faz dessas experiências pessoais fagulhas para discorrer reflexivamente
sobre o assunto.
Nesse ponto, eu confesso que as palavras dele foram aguçando
a minha mente a viajar sem fronteiras. Especialmente, porque a partir das
citações de filósofos, poetas, esportistas, cientistas, e considerações dele próprio,
diversos filmes e leituras foram amarrando as minhas próprias reflexões.
Por exemplo, a cena em que Julia Roberts, em O Sorriso de Mona Lisa, pede as suas
alunas de História da Arte que apenas contemplem, em silêncio, uma obra de
Picasso. A cena de Robin Williams, em Sociedade
dos Poetas Mortos, ao pedir que seus alunos se aproximassem das fotografias
dos ex-alunos para ouvi-los por meio do silêncio daquelas imagens. A passagem
no livro Comer, Rezar, Amar, de Elizabeth
Gilbert, quando ela visita o monumento Augusteum
, em Roma, e tece profundas reflexões a partir do silêncio no local; ou, nos
diversos diálogos que ela desenvolve em um ashram
(retiro espiritual), na Índia, ou com o guru Ketut Liyer, em Bali. A necessidade
do silêncio em nome da própria sobrevivência, expressa pela personagem Offred,
em O Conto da Aia, de Margaret Atwood.
Enfim...
Foram muitos filmes, muitos livros, milhões de ideias que se
conectaram aos meus conhecimentos acadêmicos e de vida. Sem contar, uma citação
que eu gosto muito, de Mario Sérgio Cortella, que diz “É necessário cuidar da ética para não anestesiarmos a nossa
consciência e começarmos a achar que tudo é normal”; pois, isso me pareceu
ser exatamente o que tem acontecido na relação silêncio x ruído, da qual
participamos diretamente.
Seja pela seletividade das informações, ou pela
incompreensão, a verdade é que o mundo tem se comunicado conosco de uma maneira
excessiva e ininterrupta; de modo que só os ruídos parecem preencher todos os
espaços vitais e não pudéssemos mais optar pelo silêncio, conduzindo-o a um
processo de “desaprendizagem”. Um exemplo típico dos desequilíbrios que
permeiam a sociedade pós-moderna; contrariando o que diz a canção de Lulu
Santos, “Não existiria som / se não houvesse o silêncio...”.
O livro Silêncio – Na era do ruído é, portanto, uma discussão teórica muito bem elaborada
pela leveza cotidiana, como se alguém conversasse com um amigo. Uma lição de
desapego tão interessante que é capaz de desafiar os preceitos impostos pela Modernidade Líquida (conceito
estabelecido pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman), constituindo novos
sentidos para novas prioridades.
Então, se você ficou decepcionado pela minha ausência de spoilers, só posso dizer que “o que pode ser mostrado não pode ser dito”.
Afinal de contas, eu não quero retirar de nenhum leitor o prazer silencioso dessa
leitura.