22 de novembro de 2025 ...

 

22 de novembro de 2025...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não olhe para a fotografia, olhe para o filme! Só assim, a história faz sentido! Apesar da capacidade intelectual e de cognição, em síntese o ser humano é o que é. Render-se às transformações, às mudanças, exige disposição e interesse. Portanto, quase sempre, uma reformulação de crenças, valores e princípios é algo esporádico, excepcional.

Por isso, a análise começa assim, não há como contestar o traço antidemocrático presente no comportamento do ex-Presidente da República, condenado pela tentativa de Golpe de Estado, pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF).  

Com vasto registro da sua trajetória antes e depois do ingresso na carreira política, lá estão episódios de contestação de resultados eleitorais, de deslegitimação de instituições democráticas, tais como o judiciário e o sistema eleitoral, de utilização de discursos de ódio, de desinformação para minar a confiança pública, de negacionismo científico, de banalização e menosprezo aos direitos civis e humanos.

No entanto, deveriam os Poderes da República cumprir com o exercício da mea culpa, em razão de terem sido tão tolerantes, condescendentes, indulgentes e flexíveis, todas as vezes em que ele ostentou a sua antidemocracia, a partir da mais completa abolição do decoro e da civilidade.

Afinal, a ausência de uma resposta mais contundente e precisa, diante das sucessivas manifestações antidemocráticas, teria impedido que ele, algum dia, pudesse ocupar o cargo mais importante do país, a Presidência da República.

Pouco mais de 30 anos de carreira política representam tempo suficiente para que o seu ranço antidemocrático tivesse sido devidamente contido, no âmbito dos Poderes da República brasileira.

Como isso não ocorreu, o país teve que enfrentar o desmonte da estrutura governamental, quando “passaram boiadas” que pisotearam sem piedade os caminhos de progresso e de desenvolvimento sustentável, nas mais diversas áreas. Filas de gente mendigando por ossos e o Brasil de volta ao mapa da fome. Pandemia e seus mais de 700 mil mortos. Negacionismo científico. Isolacionismo diplomático. ...

Ora, alguém antidemocrata é, por definição, incompatível com o exercício da governança democrática e tudo o que ela contempla e exige, pelo simples fato de negar os princípios e as instituições que a sustentam. E ele jamais escondeu ou dissimulou a sua aspiração por um poder concentrado, pronto para desafiar a ordem exigida e tomar o controle total do país.

Nesse sentido, sempre constou das linhas e das entrelinhas do seu comportamento e discurso antidemocrático um viés de constante insubordinação às leis do país, apesar da sua formação militar. Essa insubordinação foi expressa desde a desobediência, que protesta contra o que considera injusto, até a tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito com violência.

E esse é um ponto importante, porque demonstra que essa consciência antidemocrática estava permeada por um descompromisso total e irrestrito frente ao fato de que todos os cidadãos e entidades, inclusive pessoas jurídicas, estão sujeitos às leis do país e são responsáveis ​​por seus atos perante a Justiça.

O que demonstra como ele sempre se considerou acima do Bem e do Mal, imune às sanções impostas pela legislação brasileira. Assim, a relação direta entre a impunidade, construída pela condescendência dos Poderes da República, ao longo de décadas, e a fuga da lei, sempre existiu.  

Suas ações delituosas ao não encontrarem a devida punição e responsabilização se tornaram um estímulo para a reincidência e para a evasão das responsabilidades legais.

Daí o fato de se evadir ou se esconder das autoridades para evitar o processo legal, o julgamento ou o cumprimento da pena, sempre esteve no radar dele. Aliás, ele afirmou por repetidas vezes que jamais seria preso.

Talvez, por depositar uma total confiança de que, no Brasil, a historicidade revela um conjunto de regalias e privilégios que sustentam uma disparidade, na qual determinados indivíduos têm acesso preferencial a serviços, justiça e influência, enquanto o restante da população não tem, corroendo o conceito de cidadania igualitária.

Como se a ideia de que a antidemocracia e a impunidade se retroalimentassem, ou seja, a ausência de punição para atos antidemocráticos fortalecesse a cultura de violação das instituições, porque estava sendo manifesta por alguém munido de prerrogativas e direitos diferenciados.  

Acontece que a Terra é redonda! Ela gira e sofre transformações à revelia de quem quer que seja. Ensimesmado no seu pequeno mundo, ele não viu ou preferiu não ver as mudanças. Fato que não altera, em absolutamente nada, o curso da história em si.

Por isso, o choque não se deu pelo acontecimento de hoje, 22 de novembro de 2025. A verdade é que há alguns meses a realidade pesa sobre seus ombros. Aquilo que ele temia e se abstinha de ver ou de pensar.

Finalmente, foi cobrada a fatura por sua antidemocracia e todas as demais consequências por ela gestadas.  Um custo alto. Solitário. Severo. Cruel. Sobretudo, pensando sob a ótica do tempo.

É. O tempo não parou e nem vai parar! Os fiapos de sua juventude, de sua arrogância, de sua altivez, de seu autoritarismo, ... que se mantiveram obstinados na construção de um ideal antidemocrático, estão se esvaindo como fumaça. Tudo tem fim. E nem sempre esse fim pode ser belo e glorioso.  

Afinal de contas, como escreveu Eduardo Galeano, escritor e jornalista uruguaio, “A história é um profeta com o olhar voltado para trás: pelo que foi, e contra o que foi, anuncia o que será”.