O caminho da deterioração democrática
O caminho
da deterioração democrática
Por Alessandra
Leles Rocha
Não, não basta dizer que é inaceitável
qualquer proposta de anistia ou de redução da dosimetria para golpistas
envolvidos em crimes contra a democracia e o Estado de direito.
Os recentes acontecimentos a esse
respeito pedem uma reflexão mais profunda, que implica no entendimento basilar das
razões que levam o país a manter de prontidão uma horda não só antidemocrática;
mas, sobretudo, antiprogressista.
Infelizmente, o inconsciente
coletivo nacional foi historicamente moldado por princípios e valores sociais baseados
na hierarquia, na escravidão, no patriarcado e no elitismo, com a religião
cristã e o eurocentrismo, ou seja, servindo como importantes instrumentos de
controle social e imposição de normas e comportamentos.
Nesse contexto, então, as classes
dominantes no Brasil se organizaram a partir dos donos de grandes latifúndios
de açúcar e de escravos, dos comerciantes e das autoridades civis, militares e religiosas.
De modo que a riqueza e as diversas faces do poder se concentraram nas mãos
dessa elite, ao longo das gerações.
Acontece que é desse cenário que emerge a Direita brasileira e seus matizes, como uma
orientação política conservadora, que defende a ordem social, a tradição, a
liberdade econômica e, historicamente, a manutenção de hierarquias.
Assim, todas as vezes em que
esses indivíduos se sentiram, de algum modo, ameaçados na sua ideologia, eles
se agregaram para tentar um Golpe de Estado a fim de manter o seu protagonismo
de poder.
Como bem escreveu Steven Levitsky,
professor de ciência política de Harvard e um dos autores do livro "Como
as democracias morrem", de 2018, “Em quase todos os casos de colapso
democrático que nós estudamos, autoritários potenciais – de Franco, Hitler,
Mussolini na Europa entre guerras a Marcos, Castro e Pinochet, durante a Guerra
Fria, e Putin, Chávez e Erdogan mais recentemente – justificaram a sua
consolidação de poder rotulando os oponentes como uma ameaça à sua existência”.
Mas, para se alcançar esse propósito,
aparentemente político-partidário, esse amálgama social construído a partir do
ideário direitista, envolve a presença de eleitores, apoiadores e financiadores.
O que significa que essa estrutura,
apesar da aplicação de todas as medidas judiciais cabíveis em relação aos crimes
contra a ordem constitucional e a democracia, pela força do capital
movimentando, a partir de certos segmentos, e a reafirmação ideológica, através
das mídias sociais, se mantêm como ameaça constante ao país. Especialmente,
porque muitos coparticipantes da tentativa de Golpe de Estado agiram de forma
obscura no processo, por diferentes razões.
Daí o risco para a manutenção da democracia
e do Estado de direito, no Brasil. Como muitos tipos de crime precisam de
recursos financeiros para serem planejados e executados, esse também é o caso daqueles
contra a ordem constitucional e a democracia que necessitam de dinheiro para
cobrir custos operacionais, tais como transporte, armamento ou até mesmo para
"comprar" informações.
De modo que elucidar esse caminho
entre os crimes contra a ordem constitucional e a democracia e os recursos
financeiros empregados nas suas práxis é fundamental.
As próprias mídias sociais revelaram
através de posts e mensagens a participação direta e/ou indireta de pessoas
ligadas a diferentes espectros sociais.
Fato que possibilita às
autoridades brasileiras reconstruir a trajetória de envolvimento desses indivíduos
nos crimes contra a ordem constitucional e a democracia, para que as medidas
judiciais cabíveis possam ser aplicadas e se constituírem como instrumentos de prevenção
e desmotivação para a reincidência em crimes dessa natureza.
Enquanto nada disso está posto em
prática, as ações que atentam contra a democracia e o Estado de direito, no
Brasil, continuam figurando nos veículos de comunicação e informação; bem como,
nas mídias sociais.
Mesmo através de uma análise
discursiva superficial é possível sim, identificar como a linguagem continua
sendo empregada para construir e manter uma realidade social desejada por
certos indivíduos, as relações de poder envolvidas, a ideologia padrão e a
identidade social dos participantes.
Por isso, é tão importante ler as
linhas e as entrelinhas dos acontecimentos, pois elas mostram que o que se diz
e como se diz não é neutro, mas está intrinsecamente ligado à construção da
realidade e ao exercício do poder.
Aliás, isso evitaria que muitos indivíduos,
por aí, utilizassem da dissimulação, escondendo-se em peles de cordeiro para
manter seus privilégios, enquanto agem na surdina para destruir os valores e princípios
democráticos nacionais.
Inclusive, cabendo aí uma
importante reflexão, no que diz respeito ao modo como os benefícios fiscais, no
país, tendem não só a enfraquecer as instituições; mas, contribuir para a
construção de uma sociedade menos justa e equitativa. Algo que, na verdade, se
alinha bem ao ideário da Direita brasileira e seus matizes, mais ou menos
radicais e extremistas.
