Sebastião Salgado (1944 – 2025)

 

Sebastião Salgado (1944 – 2025)

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Já dizia o médico e escritor João Guimarães Rosa que a vida quer da gente coragem. Mas, nem sempre, se trata de uma coragem heroica, de grandes feitos. Muitas vezes, é na simplicidade que ela se permite revelar. E foi assim, de maneira quase inusitada, com Sebastião Salgado.

Graduado em Economia, pela Universidade do Espírito Santo, e Mestre pela Universidade de São Paulo, a sua coragem teve o seu desabrochar pelas linhas tortas da Ditadura Militar, no Brasil. Mudou-se para Paris, em companhia da sua esposa, a arquiteta e ambientalista Lélia Deluiz Wanick, onde fez o seu Doutorado.

Hipnotizado pela lente de uma câmera fotográfica, adquirida por Lélia, para registro de trabalhos arquitetônicos, Sebastião Salgado incorporou a fotografia como hobby, durante um projeto sobre a cultura do café, o qual participou em razão do seu trabalho como secretário para a Organização Internacional do Café, em Londres.

Daquele momento em diante, no mais absoluto ato de coragem, ele se desvencilhou da Economia para seguir o chamado da Fotografia. Se revelava, então, o mais extraordinário fotógrafo documental e fotojornalista, de todos os tempos, da história brasileira. É certo que o conhecimento acadêmico propiciado pelo curso de Economia e sua complementação, através de Mestrado e Doutorado, não esteve distante ou alheio a essa mudança.

Pelo olhar das Ciências Econômicas se tem uma percepção muito interessante do mundo e das relações sociais; embora, tantas vezes, marcada pelas atrocidades existentes em um planeta tão desigual e perverso. De modo que a fotografia lhe caiu como uma luva, no sentido de refinar e aprimorar essa dialogia silenciosa da observação. Afinal de contas, na práxis fotográfica, “Se você só vê o que é óbvio, você não verá nada” (Ruth Bernhard - fotógrafa americana de origem alemã).

Então, movido por um misto de razão e sensibilidade, ele se permitiu levar pelas lentes da sua câmera, aos mais diferentes lugares do planeta, a partir de projetos que duravam anos para serem executados. A fotografia de Sebastião Salgado é, na verdade, um processo de imersão sociológica, que tinha uma necessidade de transpor a fronteira da imagem para captar as sutilezas de uma linguagem não-verbal, quase imperceptível. Era como se ele demandasse entender os silêncios e toda a expressão corporal e paisagística, refletida em emoções e sentimentos.

Suas fotografias jamais foram, apenas, imagens. Existe em cada uma delas um compromisso subliminar de comunicação e interação com o mundo, a fim de propiciar a transmissão de mensagens, de valores sociocomportamentais e de elementos socioculturais. O que as torna, de algum modo, além dos limites do tempo. Da mesma maneira, que o seu trabalho ambiental, em companhia de sua esposa Lélia, à frente do Instituto Terra 1.

Na visão dele, “Justiça ecológica é responsabilizar nossa sociedade consumista pela destruição do planeta e de seu patrimônio ambiental. Nosso consumo está destruindo tudo. Conhecimento ecológico é reconhecer que somos feitos de uma mesma natureza, que somos parte da biodiversidade. Este é o entendimento mais importante da ecologia” 2. Ideias que também se inserem na sua construção fotográfica, na medida em que através dela “Constatamos que o mundo está dividido em duas partes: de um lado a liberdade para aqueles que têm tudo, do outro a privação de tudo para aqueles que não têm nada” (Sebastião Salgado 3).

Nesse sentido é que, cada indivíduo diante de uma foto de Sebastião Salgado, à revelia do recorte temporal, se sente desafiado a pensar. Afinal, nelas existe a pobreza, a guerra, o deslocamento forçado, a ambição, a destruição, a beleza, a natureza, a fauna, a flora, o ser humano, a infância, a velhice, enfim ... O retrato de um mundo que nos possibilita questionar e relativizar a sua concepção evolutiva.

Segundo ele próprio afirmou, “Minhas fotografias são um vetor entre o que acontece no mundo e as pessoas que não têm como presenciar o que acontece. Espero que a pessoa que entrar numa exposição minha não saia a mesma”. No entanto, ele chegou a destacar que “Só os fotógrafos têm o direito de duvidar. Quando vamos a todas essas regiões do mundo, enfrentando todos os problemas e desafios que você pode imaginar, nos perguntamos: sobre ética, legitimidade, segurança. E cabe a nós encontrar a resposta, sozinhos” (Sebastião Salgado 4).

E sem saber que se despediria, dessa existência, aos 81 anos, ele deixou algumas palavras em tom de desabafo: “É uma pena vivermos apenas 80 ou 90 anos no máximo. Se pudéssemos viver mil anos, seríamos capazes de entender nosso planeta mil vezes melhor, e viver de outra forma”; pois, “Eu descobri que as maiores viagens que fiz na vida foram dentro de mim mesmo” (Idem 4).



2 Syed, Sabrina. Interview with Sebastião Salgado. The Architectural Review, 14 out. 2021.

3 Sebastião Salgado: retratista dos povos e de suas lutas. A Verdade, 26 fev. 2016.

4 Y-Jean Mun-Delsalle. Sebastião Salgado: “Já Tive Vergonha de Ser Fotógrafo e Fazer Parte da Espécie Humana”. Forbes, 22 mai. 2025.