"Pepe" Mujica (1935 – 2025)
"Pepe"
Mujica (1935 – 2025)
Por Alessandra
Leles Rocha
Certas pessoas têm o privilégio de
que a morte ressalte, ainda mais, a sua existência, a sua importância. Esse é o
caso de José Alberto "Pepe" Mujica Cordano. Ao contrário do que
muitos possam pensar, o que marca os seus 89 anos de vida, não é o fato de ter
sido o 40º presidente do Uruguai, entre 2010 e 2015, nem tampouco, ter sido ex-guerrilheiro
dos Tupamaros, torturado e preso por 14 anos durante a ditadura militar nas
décadas de 1970 e 1980. Mas, uma sabedoria e um modo particular de ver o mundo.
"Pepe" Mujica foi um
bravo defensor dos direitos humanos. Dentre suas lutas, um destaque importante
para a fome, as desigualdades socioeconômicas e o consumismo. A vida modesta e
sem apegos materiais, possibilitou ser o próprio exemplo da coerência entre a
prática e o discurso. Parceiros de uma vida, ele e Lúcia, que também foi membro
dos Tupamaros, residiam em um sítio nos arredores de Montevidéu, onde
cultivavam crisântemos para venda. Dos anos de política, guardaram memórias,
experiências e reflexões.
Não se erra ao pensar que "Pepe"
Mujica desenvolveu uma ampla capacidade filosófica. Suas análises sobre a vida
e o mundo, sob muitos aspectos, pareciam além do seu próprio tempo. De certo
modo, aos olhos de uma imensa maioria, eram sim, revolucionárias diante da realidade
contemporânea, tão contaminada pelo individualismo, pelo narcisismo, pelo egoísmo.
Afinal, ele era um homem de grande espírito humanitário, coletivo, conhecedor
profundo da tecitura social e sua dinâmica inter e intraconectada.
Não é à toa, o que ele disse, em
entrevista, ao documentário Human, de 2015: “Inventamos uma montanha de
consumos supérfluos. Compra-se e descarta-se. Mas o que se gasta é o tempo de
vida. Quando compro algo, ou você compra, não pagamos com dinheiro, pagamos com
o tempo de vida que tivemos que gastar para ter aquele dinheiro. Mas tem um
detalhe: tudo se compra, menos a vida. A vida se gasta. E é lamentável
desperdiçar a vida para perder a liberdade”.
Daí a sua despedida causar tanto
impacto. Indivíduos como ele podem ser compreendidos como arautos de um mundo mais
justo, mais livre e mais solidário. Algo raro de se encontrar, por aí! Ter uma
vida transitada com tamanha coerência e consciência é notável, porque significa
que ele foi a representação em si do seu próprio senso ideológico. Razão pela
qual disse, certa vez: “A utopia serve para nos guiar através da incerteza
em que navegamos. Então não é mais uma utopia, tem o calor de ser um guia para
a vida real. Não partimos para alcançar uma estrela, mas ela pode nos permitir
caminhar com uma direção concreta aqui na Terra. É por isso que a utopia nunca
está acabada, nunca é completa, nunca é perfeita” (“Com os pés no chão.” Mario
Mazzeo, Edições Trilce, 2002).
É por essas e por outras, que ele parte sem correr o risco de ser esquecido. Seu legado é atemporal e, pelo andar da carruagem, será cada vez mais vital refletir sobre ele. Só alguém, como "Pepe" Mujica, para nos confrontar e nos fazer pensar sobre as grandes questões do mundo, colocando o dedo nas feridas sociais, ao dizer, por exemplo, “A liberdade, que supõe ter tempo para viver, (…) é uma civilização contra o tempo livre, que não se paga, que não se compra e que é o que nos permite viver as relações humanas”, porque “só o amor, a amizade, a solidariedade, e a família transcendem”. “Arrasamos as selvas e implantamos selvas de cimento. Enfrentamos o sedentarismo com esteiras, a insônia com remédios. E pensamos que somos felizes ao deixar o humano".