Não adianta se abster. Somos todos responsáveis.

 

Não adianta se abster. Somos todos responsáveis.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Já dizia José Saramago, “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”. A degradação ambiental de grandes proporções, como vemos acontecer na contemporaneidade, tece seu pontapé inicial na 1ª Revolução Industrial, na segunda metade do século XVIII. O modo de ser, agir e pensar do ser humano foi, a partir daquele momento, impactado permanentemente.

Mas a industrialização só ocorreu porque havia uma ínfima elite dominante, com recursos suficientes para sustentar tal empreitada. E esse é o ponto que merece atenção e profunda reflexão. Por trás de todos os impactos socioambientais negativos estão representantes das classes dominantes, os quais, através de suas escolhas, decisões e ambições, moldam os caminhos da sobrevivência global.

Sim, porque a partir dessa modelagem socioeconômica, a população, em geral, passa a sustentar não só o enriquecimento dessas elites; mas, a legitimar as suas práxis degradadoras. Infelizmente, a disseminada inconsciência ambiental que afeta milhões de seres humanos, há pelos menos 3 séculos, vem passando à margem do escrutínio público. Como se as questões ligadas á produção e ao consumo estivessem totalmente dissociadas da degradação socioambiental.

Vale ressaltar, também, que apesar de o termo negacionismo ter se consolidado durante o período pandêmico da COVID-19, a grande verdade é que os negacionistas sempre estiveram entre nós. Seja na expressão das elites ou do campo político-partidário da Direita; sobretudo, os mais radicais e extremistas. Quaisquer aspectos que contrariam seus interesses e ambições são sumariamente rechaçados e desqualificados. Eles não dispõem de nenhum apreço aos fundamentos científicos.

Desse modo, o mundo vive a farsa de um pseudomarketing verde, o qual não se sustenta por práxis efetivamente consistentes no que diz respeito à reparação e à preservação socioambiental. Campanhas feitas para inebriar e alienar o pensamento social, elas são propositadamente disruptivas, ou seja, elas chegam para interromper o fluxo normal do processo reflexivo.

Ninguém questiona a origem do ouro exibido na publicidade das grandes joalherias. Ou a contaminação do solo e da água, por mercúrio e outros metais pesados, em razão da garimpagem. Ou o uso indiscriminado de agrotóxicos e outros agentes químicos na produção de alimentos. Ou a reverberação da violência, decorrente dos processos de desmatamento, no país. Ou o recrudescimento das patologias respiratórias, por conta dos efeitos das queimadas criminosas, promovidas em diversas regiões. Ou o desequilíbrio dos regimes pluviométricos resultante das profundas alterações nos domínios morfoclimáticos nacionais.  ...

Por trás desse cenário estão grandes empresas e corporações capitaneadas por indivíduos das classes dominantes. Embora o Brasil conte com uma boa legislação ambiental, ela se mostra sempre insuficiente e ineficiente para conter os arroubos e desvarios dessa gente. Munidos de equipes jurídicas de prestígio, de grande poder capital e, especialmente, de influência junto aos espaços de poder, eles não se intimidam ou se constrangem diante das leis. Suas decisões e escolhas são pautadas, exclusivamente, pelos seus interesses e demandas.  

Não é à toa que muitas dessas empresas e corporações fazem questão de patrocinar eventos e fóruns de discussão socioambiental. Trata-se de uma estratégia de manutenção da sua influência, ou porque não dizer, do seu lobby. Dessa forma, elas enviesam a dinâmica dos assuntos, segundo os seus interesses, e fazem uso do marketing verde para ofuscar suas verdadeiras intenções. Já se sabe, por exemplo, que grandes gigantes da mineração e do agronegócio financiarão a cobertura da COP 30, em Belém / PA. Acontece que muitas têm, em seu histórico, casos de crimes graves contra o meio ambiente 1.

Há muito tempo a humanidade ultrapassou a fronteira dos alertas ambientais de natureza científica. O que se tem, agora, é uma realidade concreta de eventos extremos e imprevisíveis, capazes de afetar grandes espaços geográficos e inúmeras populações.  É a vida de seres humanos que está em jogo. É a sobrevivência ecossistêmica que está ameaçada. Portanto, para romper com o domínio exercido pelas elites dominantes torna-se fundamental a construção de uma autoconsciência, a respeito dos hábitos de consumo.

Repensar, Recusar, Reduzir, Reutilizar, Reparar, Reciclar e Reintegrar, não diz respeito apenas à parte prática do processo; mas, de todo o ciclo crítico-reflexivo que o sustenta. Afinal, é ele que nos permite um posicionamento capaz de olhar além do pseudomarketing verde e, assim, não se render às propagandas enganosas. Não podemos incorrer no risco de outros desastres como os de Mariana (2015) e de Brumadinho (2019). Não podemos naturalizar ou trivializar nossa própria destruição.