Os segredos dos jabutis

Os segredos dos jabutis

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Ah, o Brasil! Nem tudo o que parece é! Como milhares de outros brasileiros e brasileiras, me coloquei a acompanhar os debates em torno do imposto sobre compras on-line. No entanto, quando a discussão chegou ao Senado foi possível perceber a realidade de um grande imbróglio. Afinal, como sempre acontece, jabutis - assuntos sem relação com o tema inicial da proposta parlamentar -, surgiram na tramitação do Legislativo Federal.

Bom, o que era para ser, então, um projeto de lei voltado para instituir um Programa de Mobilidade Verde e Inovação (Programa Mover), teve em seu texto a agregação da emenda relativa ao imposto sobre compras on-line. Contudo, de última hora, eis que um outro jabuti, estabelecendo exigências de maior conteúdo local para equipamentos da indústria petrolífera e fornecedores ao setor de petróleo e gás do Brasil, emergiu cheio de segredos.

E esse foi o ponto da discórdia entre Câmara dos Deputados e Senado Federal. Sem o devido debate necessário ao tema, o impacto que tal emenda pode ter sobre os interesses da Petrobrás não pode ser desconsiderado.

Contrários à ideia, inclusive, expuseram que ela já tem acesso a tais equipamentos a custos mais baixos no exterior. O que significa que esse tipo de proposta pode impactar severamente o equilíbrio financeiro da empresa e repercutir em ônus para o consumidor nacional.

Então, um velho fantasma emergiu nas minhas reflexões. Começando pela taxação sobre compras on-line, como sempre, os argumentos apresentados, por aqueles a favor, tendem a soar legítimos. No entanto, tenho cá as minhas dúvidas se a discussão a respeito tomaria o mesmo caminho se as empresas fossem norte-americanas. Aliás, não faz muito tempo que o Brasil esteve, por exemplo, sob fogo cruzado entre EUA e China na guerra dos chips 1.

Ora, não sejamos ingênuos! Como importante potência global, os EUA sempre colocam a frente os seus interesses. O progresso e o desenvolvimento de seus aliados e simpatizantes sempre acontece sob rédeas curtas do governo estadunidense. Ao menor sinal de ameaça ou de empecilho aos seus objetivos, eles trabalham sutilmente a fim de interromper o processo.

De modo que, entre idas e vindas do tempo, a sensação que se tem é de que o Brasil não consegue se desvencilhar da ingerência norte-americana, a qual esteve presente em momento críticos e importantes da nossa história nacional 2. Algo que vai além das relações comerciais e diplomáticas internacionais, para abarcar um tipo de controle e vigilância ao crescimento do protagonismo brasileiro. Afinal, o Brasil sempre se destacou no cenário das Américas do Sul e Central.

Assim, tendo em vista as inúmeras disputas geopolíticas e econômicas entre EUA e China, não seria de se espantar que houvesse um interesse de restringir as relações comerciais entre Brasil e a referida potência asiática.

Sabendo que a direita brasileira e seus matizes, mais ou menos radicais e extremistas, sempre foram simpatizantes aos EUA, e fazem questão de manter e estreitar laços, a pretexto do bom e velho protecionismo econômico defendido pela política neoliberal, a questão se colocou como ideal.

A princípio, em decisão da Câmara dos Deputados, foi aprovada a taxação de 20% para compras internacionais de até US$50, ou seja, aproximadamente R$260.

Mas, não para por aí. Tem-se visto, recentemente, a Petrobrás ocupar espaço importante na mídia nacional e internacional, inclusive, com mudança na Presidência da empresa. E, apesar de serem tempos de um debate acirrado sobre matrizes energéticas sustentáveis, o petróleo ainda permanece ocupando relevância no contexto produtivo e econômico global.

Por isso, deliberações na calada da noite, no apagar das luzes, sem a devida transparência, como foi o caso do tal jabuti agregado ao projeto de lei do Programa Mover, causam tanta estranheza. Quem mais poderia se beneficiar com eventuais impactos orçamentários à Petrobrás?

Se a própria emenda implica em uma possível oneração na compra de certos produtos essenciais pela empresa, isso representa uma real possibilidade de instabilidade orçamentária. O que, inevitavelmente, tensiona e fragiliza as suas relações comerciais internas e externas; bem como, abre espaço para as suas concorrentes no mercado.

Em linhas gerais, esse movimento retira quaisquer possibilidades de uma eventual reafirmação de protagonismo da empresa, no cenário internacional, por conta de desgastes de gestão. Sem contar que, analisando pela perspectiva de duas guerras em curso, o petróleo tem um papel fundamental na geopolítica global, sob diferentes aspectos.

É por essas e por outras, que sempre discuto o ranço histórico colonial que nos assombra. Porque isso significa que o Brasil tem sido duramente marcado, ao longo dos seus pouco mais de 500 anos, por diversas expressões de domínio político, econômico, cultural e religioso.

Algo que, em síntese, traduz como “Ideologia são as maneiras como o sentido serve para estabelecer e sustentar relações de dominação” (John B. Thompson) 3. E isso, caro (a) leitor (a), olhando para o histórico colonial brasileiro, torna fácil compreender as razões que fazem a Democracia nacional tão frágil e vulnerável, merecendo extrema e contínua atenção e reflexão.