Atemporal... Simplesmente imortal.

 

Atemporal... Simplesmente imortal.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Precisei de três décadas para chegar a um caminho que me ajudasse a entender melhor o papel mítico de Ayrton Senna. Afinal, me parece indelicado com outros grandes nomes do desporto nacional, tais como Éder Jofre, Maria Esther Bueno, Adhemar Ferreira da Silva, Emerson Fittipaldi, João do Pulo, pensar que o Ayrton é merecedor exclusivo de todas as reverências.

Ora, o Brasil sempre se destacou no cenário internacional, com grandes e emblemáticas conquistas esportivas. Mas, com exceção do futebol, os demais esportes não dispunham das condições ideais para estabelecer uma simbiose mais intensa e afetiva com a população brasileira. Havia sempre um senão.

Os meios de comunicação sempre estiveram a serviço de fazer seu papel; porém, existia uma inacessibilidade social para romper as bolhas e popularizar os ídolos. De modo que muitos passaram à margem de conseguir que a sua genialidade e talento se tornassem um espelho representativo do país para os seus cidadãos. Em muitos casos, atletas estrangeiros acabavam sendo mais conhecidos e destacados, do que os próprios brasileiros.

Então, eis que surge Ayrton Senna! Sob conjunturas extremamente favoráveis, o piloto conseguiu arrebatar corações e mentes. Ainda que seu esporte fosse extremamente elitista, as corridas de carro, por força das estratégias de marketing da indústria automobilística, foram popularizadas nas redes abertas de TV. 

De modo que os pilotos eram figurinhas conhecidas do grande público e acabavam angariando a simpatia, segundo suas habilidades e perícias técnicas à frente do volante. Alguns, conseguiam mais do que simpatia graças a um carisma genuíno. Outros, em razão da rebeldia ou do destempero comportamental, eram bem menos populares. Portanto, nem preciso dizer em qual categoria estava o Ayrton!

Acontece que não foi o carisma, ou a genialidade, ou a ousadia, ou o talento, que arrebatou gente do mundo inteiro. Pois é, quando ele estava na pista, o Brasil era do tamanho do mundo, todos unidos por um único personagem, um único cidadão. Esse é, então, o ponto! Ayrton não era de falar, ele era de fazer. A ponte que ele teceu com seu público era constituída de uma verdade factual, a qual expressava a sua própria consciência existencial.

Do ponto de vista brasileiro, o que Ayrton fez foi simplesmente devastador. Os próprios desafios e obstáculos enfrentados por ele, para chegar ao seleto grupo da Fórmula 1, eram sim, subliminarmente, a expressão do protagonismo de um país, tido como desimportante no cenário mundial. Ayrton, então, desconstruiu um estereótipo, nada positivo, que recaia sobre os brasileiros, através de uma via de mão dupla.

Sim, enquanto ele mostrou ao mundo que no Brasil há pessoas talentosas, aguerridas, trabalhadoras, incansáveis, obstinadas, para os brasileiros ele fez emergir uma consciência cidadã, uma capacidade de sonhar e de lutar pelos ideais, de romper com quaisquer sentimentos de inferioridade e de submissão. Ayrton é o símbolo de um Brasil que dá certo, que é protagonista da sua história, que é vencedor.

Daí o papel mítico de Ayrton Senna. Ao mesmo tempo em que povoava o imaginário coletivo, sendo fabuloso, fantástico, lendário, o Ayrton era gente, com suas virtudes e defeitos, na sua materialidade desportiva acessível.

Porque ele estava presente, aos domingos, nos lares de milhões de brasileiros e estrangeiros, através da TV. E aquelas imagens sempre davam conta do quanto ele compreendia o sentido da vida através de uma liberdade incondicional, de suas escolhas e de sua responsabilidade pessoal.

Não é à toa que ele dizia, “No que diz respeito ao empenho, ao compromisso, ao esforço, à dedicação, não existe meio termo. Ou você faz uma coisa bem-feita ou não faz”, porque “Se você quer ser bem-sucedido, precisa ter dedicação total, buscar seu último limite e dar o melhor de si”.

Um belo puxão de orelhas, quando o mundo contemporâneo é tão imediatista e superficial, tão pouco afeito às responsabilidades e compromissos. Mas, talvez, Ayrton pensasse que “Temos que fazer com que as pequenas coisas sejam inesquecíveis” (Steve Jobs). E não há outro caminho a não ser esse.

Assim, falando sobre Ayrton, depois de três décadas da sua partida, é possível entender o que João Guimarães Rosa quis dizer ao manifestar “O mundo é mágico: as pessoas não morrem, ficam encantadas ... a gente morre é para provar que viveu”. Afinal, Ayrton está aí. Nos documentários. Nas entrevistas. Nas reportagens. Nos livros. Nas fotografias. ... Na verdade, presente, de forma pessoal e intransferível, na memória de cada ser humano que teve seu destino atravessado pela velocidade da sua existência.   

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