O caos e a imprevidência ...

 

O caos e a imprevidência ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Enquanto “Maceió decreta estado de emergência por risco de colapso em mina” 1, o caso me faz pensar sobre dois aspectos importantes. O primeiro, diz respeito à população, que foi obrigada a abandonar os bens, de uma vida inteira, para sair às pressas da área ameaçada de desabar. O segundo, se refere ao modo como os gestores públicos lidam com a necessidade das licenças ambientais.

O que o Brasil e o mundo presenciam, em Maceió, capital do estado de Alagoas, é realmente o maior desastre ambiental urbano da história. E como tal, ele não é a expressão do agora. Ele conta uma história de décadas, em que a extração mineral desenfreada, colocou o poder capital acima de todas as demandas socioambientais de uma região.

Nesse momento, quando aproximamos das celebrações de Natal e Ano Novo, é impossível não se consternar e ser empático ao drama de milhares de pessoas que viviam nessa área de risco. Os recentes acontecimentos são um gran finale catastrófico, o qual poderia sim, ter sido evitado, posto que elas vêm clamando por uma solução há décadas.

Acontece que contra o poder capital, suas vozes e seus direitos foram sumariamente silenciados. Como se um problema dessa natureza e magnitude pudesse ser postergado, negligenciado, invisibilizado. Como se a vida humana pudesse ser privada da sua dignidade, dos seus direitos fundamentais, por conta de uma escala de prioridades imposta arbitrariamente pelas autoridades competentes.

Chega a ser estarrecedor o modo como esses cidadãos estão sendo tratados. Retirados de casa por força policial, na madrugada. Impossibilitados de recolher adequadamente os seus pertences e as suas memórias mais importantes. Como se fossem vítimas de uma catástrofe repentina e, por isso, pudessem ser alojados em abrigos temporários.

Infelizmente, essas pessoas estão experenciado o deslocamento humano forçado. Lançadas à mercê da própria sorte. Sim, porque se não houve o respeito assistencial necessário, desde o início da história da exploração mineral na região, é difícil acreditar que, agora, os trâmites para proteção e ressarcimento irão acontecer dentro da celeridade e da eficiência necessária. Afinal, o Brasil acumula camadas e camadas de tragédias, personificadas no sofrimento de pessoas que aguardam, numa espera sem fim, o desfecho da sua angústia e da sua dor.

O pior é que nada disso precisava acontecer. Ainda que no Brasil as questões ambientais pareçam uma novidade recente, na verdade, não é bem assim. Em termos de licenciamento ambiental, por exemplo, ele remonta da década de 70, em razão da poluição causada pela expansão industrial, que obrigou os estados a criarem medidas a respeito.

Depois, por força da presença de grandes corporações estrangeiras se instalando no país e de parcerias multigovernamentais, surge a lei n.º 6803/80, que institui a Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) a fim de estabelecer o zoneamento industrial em áreas críticas de poluição. O que, de certa forma, impulsionou para que, no ano seguinte, a lei n.º 6938/81, desse corpo à Política Nacional de Meio Ambiente.

Acontece que, dado o seu histórico de ex-colônia de exploração, O Brasil sempre atuou de maneira permissiva e condescendente com as práxis mineradoras, através de legislações bastante flexíveis ou, em alguns casos, passíveis de ajustamento aos interesses dos grupos mineradores, sob o argumento maior de que esses eram geradores de grandes divisas, empregos e progresso. O que acabou estabelecendo concessões e privilégios a outros grupos potencialmente degradadores do meio ambiente, trazendo a impressão de que as leis ambientais no Brasil só existiam no papel.

E olhando para a realidade nacional recente, não se pode negar que um tsunami de contestações e objeções à legislação ambiental vigente, fundamentada a partir do capítulo IV, artigo 225, da Constituição Federal de 1988, vem ocorrendo. Sobretudo, em relação ao licenciamento ambiental, ou seja, a Licença Prévia (LP), a Licença de Instalação (LI) e a Licença de Operação (LO).

Inclusive, o exemplo mais recente diz respeito a uma decisão do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) que “negou um pedido de autorização para a Petrobras perfurar um poço de petróleo no litoral do Amapá, dentro da área considerada da bacia da Foz do Amazonas”, por entender que “o pedido de licença não continha garantias para atendimentos à fauna em possíveis acidentes com o derramamento de óleo”; bem como, havia inconsistências quanto “à previsão de impactos da atividade em três terras indígenas em Oiapoque” 2. O que reverberou atritos em diversas instâncias do Executivo e do Legislativo federal.

Mas, por uma ironia ácida do destino, eis que o episódio em Maceió demonstra de maneira irrefutável como a Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) para a liberação dos licenciamentos é fundamental. Simplesmente, porque estabelece um conjunto de métodos e técnicas de gestão ambiental, já consagradas, capazes de identificar, estabelecer prognósticos e avaliar os efeitos e os impactos gerados por atividades e empreendimentos sobre o meio ambiente, a fim de evitar, reduzir ou compensar eventuais danos.

Recentemente, eu tracei uma outra reflexão a respeito do uso e ocupação dos espaços geográficos, da produção das cidades e a relação existente com as ações antrópicas 3,  que se conecta diretamente com a necessidade, cada vez mais, urgente, de se fazer a Avaliação de Impacto Ambiental (AIA). Não só para mitigar o montante de prejuízos materiais e econômicos; mas, para proteger e resguardar milhares de vidas humanas.

Afinal de contas, o cidadão pagador de impostos é um crédulo depositário da sua confiança nas autoridades. A grande maioria da população passa à margem desse tipo de questão burocrática e, por isso, não tem a dimensão da vulnerabilidade a que está submetida, quando atividades e empreendimentos foram dispostos no meio em que ela reside à revelia de quaisquer cuidados e precauções.

Que esse acontecimento terrível seja, então, incorporado como lição essencial para nossa sobrevivência, diante do que ainda pode acontecer no planeta. Como escreveu José Ortega y Gasset, “O importante é a lembrança dos erros, que nos permite não cometer sempre os mesmos. O verdadeiro tesouro do homem é o tesouro de seus erros, a larga experiência vital decantada por milênios, gota a gota” (A Rebelião das Massas, 1929).