No fundo, adoecidos em nossas Cavernas

 

No fundo, adoecidos em nossas Cavernas

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

No quebra-cabeças da realidade contemporânea brasileira, algumas ideias começam a ficar mais explícitas em relação à vigilância ambiental em saúde. Vejam só, algumas notícias do dia: “’Superfungo’: segundo caso de Candida auris é confirmado em Pernambuco” 1; “Brasil tem aumento de casos de coinfecção por Covid e Influenza, diz laboratório” 2; “Dengue: duas cidades da Zona da Mata registram casos prováveis em 2022” 3; “Decreto de Bolsonaro libera destruir caverna para construir empreendimento” 4.

De certo modo, não surpreende a presença de outras doenças se manifestando no país, além da Pandemia da COVID-19, tendo em vista a sua tropicalidade permeada de inúmeras patologias de caráter endêmico por aqui. Mas, o desconforto advém justamente do fato da nossa fragilidade organizacional, financeira e logística para enfrentar tantos desafios simultaneamente. Isso sem falar nos profissionais de saúde que são a ponta de lança dessas batalhas que vêm emergindo cada vez com mais intensidade e recorrência.

Você, caro leitor, deve estar se perguntando qual a razão, então, de eu ter colocado dentre as notícias o decreto que acaba com a preservação dos sítios espeleológicos brasileiros, ou seja, as nossas cavernas. Não houve erro. Na verdade, mais do que santuários de registros arqueológicos, paleontológicos, de linguagem rupestre, de fauna e flora intocadas, eles são reservatórios de inúmeras doenças conhecidas e a se conhecer.

Entre morcegos, aranhas, escorpiões, besouros, moscas, mosquitos, a biodiversidade existente nesses lugares pode ser ainda muito mais fantástica porque é repleta de incógnitas para a Ciência; particularmente, no que diz respeito aos microuniversos populacionais. Uma vez expostas aos efeitos antrópicos dos desequilíbrios, o processo de realocação dessas espécies se dará inevitavelmente pela aproximação dos mundos, o deles e o nosso.

É esse o ponto em questão. Nos deparar com a notícia da iminência desse processo é despertar para o temor do que isso, de fato, representará para a sobrevivência humana em termos da possibilidade dispersiva de mais doenças entre nós. Novos vírus. Novos fungos. Novas bactérias. Novos protozoários. Os quais podem estar silenciosamente armazenados no interior de outras espécies, as quais funcionam como reservatórios biológicos, como é o caso dos morcegos, dos mosquitos, das moscas, de alguns mamíferos terrestres, de aves.

Portanto, não é ilógico imaginar como se dará a perda de controle dos acontecimentos pela perspectiva que inaugura essa nova conjuntura. Simplesmente, de uma hora para outra, estaremos nos deparando com uma ou várias novas doenças e, de certo modo, perpetuando nossos ciclos de caos dentro da saúde pública.

Aliás, é bom ressaltar que saúde pública não se restringe somente aos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS); mas, que contempla, também, todos os atendimentos realizados pela iniciativa privada. Trata-se, então, do conjunto de medidas estabelecidas e executadas pelo Estado a fim de garantir a tríade da saúde física, mental e social de cada cidadão.

E como vimos no início dessa reflexão, a vida não acontece a conta-gotas. Os acontecimentos nos atropelam aos milhares, juntos e misturados, ao mesmo tempo. Para aquilo que já se conhece, que já se tem alguma experiência, os desafios podem não assustar tanto, podem ser transpostos com mais facilidade; mas, quando o assunto é o desconhecido, aí a situação muda de figura. Que diga o Sars-Cov-2 e suas variantes, não é mesmo?

Então, das cavernas em perigo, eis que me lembrei de Platão e sua Caverna. O famoso texto presente no livro VII da obra A República. Os que almejam destruir as cavernas no século XXI não se distanciam daquelas figuras que habitavam a grande caverna, com seus braços, pernas e pescoços agrilhoados por correntes e postados diante a parede do fundo. Assim, suas crenças, valores e percepções da realidade se fundamentavam pelas projeções que uma fogueira, na entrada caverna, exibia na parede para a qual estavam voltados.

Mesmo quando um deles conseguiu se libertar e sair da caverna, sua volta repleta de entusiasmo para compartilhar as boas novas foi frustrada pela condição de ignorância que estava consolidada entre os demais. Aprisionados em si mesmos eles renegaram a verdade, a luz que vinha pelo esforço e conhecimento trazido por um dos seus. O consideraram louco e para que não houvesse disseminação da sua “loucura”, então, o mataram.

A partir dessa breve digressão, se consegue perceber que não é o decreto 10.935/22 5, o grande problema brasileiro da vez. Cada fragmento da realidade atual vem sendo degenerado pelo aprisionamento à ignorância em detrimento da busca pelo verdadeiro conhecimento.

O que se vê em cada esquina é a preguiça, a falta de interesse, o não questionamento da realidade por uma significativa parcela da população, que acaba aceitando a servidão, a subserviência às ideias impostas por um grupo dominante. Assim, o resultado desse movimento é que ao destruir as cavernas brasileiras acabarão as mantendo vivas sobre uma outra perspectiva, um outro viés.  

 

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