A cidadania indígena em xeque
A
cidadania indígena em xeque
Por
Alessandra Leles Rocha
É interessante como as relações
sociais se estabelecem em jogos de poder, cujas narrativas são tão frágeis que
se desconstroem mediante os argumentos factíveis. Basta ver como as tentativas
de imposição discursiva da extrema-direita, nos últimos anos e em todo o mundo,
vêm resgatando antigas ideias e as repaginando para que possam voltar a povoar
o imaginário da população. Uma delas é o combate ostensivo contra o socialismo,
colocando-o no rol de um mal que precisa ser extirpado da sociedade.
Como se sabe, o ideário
socialista se baseia em constituir um sistema político e econômico, visando a
coletivização dos meios de produção/distribuição e a supressão da propriedade
privada e das classes sociais. O que causaria impacto direto aos interesses do
capitalismo (ultra) liberal defendido pela extrema-direita. Por isso, ele tem
trabalhado tão arduamente na desconstrução do socialismo para a população.
Acontece que, se fizermos um breve
retrospecto ao passado histórico, vamos nos deparar com a velha máxima “faça o que eu falo, mas não faça o que eu
faço”. E por que digo isso? O
capitalismo começou a ser fiado a partir das práticas Mercantilistas, entre o
século XV e o final do século XVIII, dentre as quais se destaca o Colonialismo.
Aliás, foi por ele que o território brasileiro se tornou propriedade da Coroa
Portuguesa.
Aí está o ponto. Assim, como o
Brasil, outros territórios das Américas, foram colonizados. No entanto, antes
que portugueses, espanhóis e outros europeus se aportassem nessas terras, elas
já eram propriedade de diversas tribos indígenas. Tendo em vista, as diferenças
socioculturais existentes entre os indígenas e os europeus, é claro que o
sistema de propriedade dos nativos não dispunha de ordenamento jurídico ou de
documentação comprobatória, como o dos colonizadores. Assim, prevaleceu a força
colonizadora, traduzida pela “supressão da propriedade privada”.
Os indígenas das Américas foram,
portanto, expropriados de seus
territórios e, muitos deles, dizimados pela fúria sangrenta dos
colonizadores. Pesquisas estimam, por exemplo, que a população indígena no
Brasil, na ocasião da chegada dos portugueses, era de aproximadamente 3
milhões, divididos em cerca de 1000 etnias diferentes e distribuídos entre o
litoral e o interior.
Atualmente, restaram 220 etnias,
algumas com pouquíssimos representantes. Tanto as tentativas de escravização e de
exploração quanto a aculturação das tribos, resultaram nesse cenário
devastador.
Isso significa que os indígenas
não só foram expropriados da sua terra; mas, também, invisibilizados enquanto cidadãos. Foram submetidos a viver das
migalhas, das desassistências e da desatenção do Estado brasileiro.
Expostos as doenças trazidas pelo
homem branco, as invasões de seus territórios, a usurpação de suas riquezas
naturais e minerais pelos garimpos ilegais, a ação das queimadas, a derrubada ilegal
de suas florestas, ... Algo que ficou escancarado nessa Pandemia, quando eles
foram, literalmente, deixados à mingua, a própria sorte.
A foto de uma criança yanomami,
esquálida, sobre uma rede 1,
divulgada por todos os veículos de comunicação e informação, no último dia 9 de
maio, expõe sem retoques o que se pode chamar de “neocolonialismo do século XXI” em terras indígenas brasileiras.
Dessa vez, não é a Metrópole
portuguesa; mas, sua ex-colônia, o Estado brasileiro, quem quer expropriar o
que resta da civilização indígena para explorar o território por eles ocupados,
dada a existência de uma vasta diversidade mineral presente no solo daquela
região.
Trata-se da manifestação genuína
da necropolítica em relação as minorias sociais. Foram mais de 1000 índios
mortos pela COVID-19; mas, a permissividade da ilegalidade tem os feito vergar
diante da desnutrição, do aumento dos casos de Malária, da contaminação dos
rios com mercúrio, do alcoolismo e da prostituição por parte dos garimpeiros
que invadem as terras.
O que significa que essas ações
não representam apenas a morte de seres humanos; mas, o apagamento do que resta
da história inicial do Brasil. Estamos perdendo a perspectiva histórica do
nativo brasileiro, como se ele nunca tivesse existido; o que, de certo modo,
tem sido feito com os negros também.
Ao se desresponsabilizar pelas
minorias, o Estado brasileiro reduz custos e gastos sociais para investir em
objetivos que lhes sejam “prioritários”. Que história, então, é essa que está
sendo reescrita? Uma história em que os representantes da Coroa Portuguesa
aportaram aqui, por acaso, consideraram o local interessante para exploração e
desembarcam alguns concidadãos para garantir a ocupação e a colonização no
local? Sem índios? Sem negros? Sem mestiços? Sem diversidade?
Pelo visto, o Brasil não aprendeu
nada em mais de 500 anos. Continua subserviente e capacho na sua subalternidade
de colonizado. Rendendo reverências a um tempo, o qual não se tem muito a
comemorar. Levaram tudo o que havia de mais importante em termos de riquezas nacionais
e depois deixaram o país pobre, miserável e entregue à própria sorte.
Bom saber que, no fundo, quando o
capitalismo fala mal do socialismo, o que ele pretende é só reduzir a
concorrência. Como disse Winston Churchill, “O
vício inerente ao capitalismo é a distribuição desigual de benesse; o do
socialismo é a distribuição por igual das misérias”, ou seja, no fim, o que
se tem é a pura igualdade das diferenças.