Nem sempre somos “felizes para sempre”...

 

Nem sempre somos “felizes para sempre”...

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Percebo entre muitas pessoas um sentimento de indignação estampado no rosto, diante de uma indiferença escandalosa e ofensiva manifesta pelos inúmeros exemplos de aglomerações, Brasil afora. Não se trata de algo sentido apenas por quem já enfrentou o COVID-19 direta ou indiretamente; mas, por diversas pessoas que se doaram a empatia e ao respeito e têm se mantido em isolamento social ao longo de todos esses meses. Fui buscar, então, uma compreensão a respeito desse movimento Negacionista, contestatório e radicalmente opositor, e reflexões interessantes me povoaram a mente, as quais compartilho agora.

Começo pelo fato de uma necessidade extrema de demonstrar o óbvio da vida. A obviedade dos acontecimentos desapareceu frente a uma resistência opinativa beirando as raias da afronta mais selvagem.  As pessoas querem ter razão. Sempre e sobre tudo. Ainda que seus argumentos sejam frágeis e insuficientes. Mas, elas querem e lutam como bárbaros para garantir esse direito, como se fosse o único que lhes restasse nessa vida. E passam a denominá-lo como liberdade, expressão, ir e vir, existir,... Quase na infantilidade de uma criança que teve um brinquedo tomado por outra, enquanto brincavam no parquinho.

O “porém” nessa história toda é que o COVID-19 é uma doença. E como tal surge envolvida por uma nuvem de incertezas, de dúvidas e de especificidades, as quais não há como deixar de prestar atenção. Quem já ficou doente, alguma vez na vida, sabe bem que nesse contexto quem tem sempre razão é a doença e nunca o ser humano. Ela dá as cartas. Ela estabelece os limites. Ela determina o curso do processo. Conforme temos visto acontecer bem diante dos nossos olhos nesse momento.

O novo patógeno infectocontagioso já ultrapassou 34 milhões de casos confirmados no mundo. Mais de 1 milhão de pessoas morreram e mais de 24 milhões sobreviveram. A questão é que sobreviver não implica necessariamente em sair ileso da situação e muitos seres humanos, por aí, andam esquecidos desse detalhe. Em quaisquer doenças há uma infinidade de desdobramentos que podem acontecer e, muitos dos quais, não temos controle a respeito. Trata-se de uma loteria que envolve uma complexa teia de variáveis que podem ser mais ou menos previsíveis.

Enquanto alguns foram assintomáticos e outros tiveram sintomas leves, nessa história de tempo real há milhares de sequelados. Pessoas que sobreviveram ao COVID-19, mas não tiveram uma recuperação plena e estão dependentes de cuidados especiais 1. Não se pode esquecer o fato de que essa é uma doença que atinge preferencialmente o sistema respiratório; mas, também, os rins e o sistema cardiocirculatório, ocasionando infartos, acidentes vasculares, inflamações em veias e artérias, mesmo após os sintomas agudos da doença serem superados.

E já se contabiliza um número expressivo de pacientes nessa situação. Pessoas que estão, inclusive, dependendo do auxílio de terceiros para custear os tratamentos dessas sequelas, os quais incluem fisioterapia, oxigeno terapia, atendimento psicológico, acompanhamento nutricional etc. Afinal, são demandas que já sobrecarregavam a rede de saúde pública e, nem sempre, encontram amparo nos planos de saúde privados para sua realização. Sem contar, que muitos desses pacientes requerem o acompanhamento intensivo de algum familiar, dada à gravidade da situação, o que obriga muitas famílias a viverem sob um orçamento familiar mais reduzido, oriundo do abandono ou perda do emprego por essa pessoa.

Portanto, quando os doentes pelo COVID-19 saem dos hospitais, isso não é uma garantia de que todo o sofrimento ficou para trás. Muitos deles ainda terão que enfrentar muitos desafios, muitos dias de luta para se recuperarem plenamente e poderem retomar suas atividades cotidianas.  E como a vida não deixou de ser o que ela é por causa da Pandemia, a realidade brasileira permanece com todos os seus altos e baixos; o que significa dizer uma enxurrada de outros tormentos sociais a serem enfrentados.

Pois é, enquanto muita gente zomba, ri e participa das aglomerações, das “muvucas”, dos “ajuntamentos”, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informa sobre os recentes índices de desemprego, de miséria, de desalento, que tanto alvoroço causam a uma economia já tão complicada. Que já promoveram a perda de planos de saúde privada por parte de milhões de cidadãos, constituindo uma migração compulsória para a rede pública e agravando o seu gargalo de atendimento. Que já desenham um horizonte ainda mais difícil no contexto da Pandemia, a qual surgiu sem data de validade ou prazo de despedida e, portanto, tende a se arrastar ainda por um bom tempo. Pois é...

Assim como o COVID-19 vem sendo democrático nas suas ações, os desdobramentos das crises paralelas de ordem econômica e social que vêm emergindo no seu curso também. Empresas centenárias baixando as portas e demitindo milhares de funcionários. Microempresários jogando a toalha e desistindo de resistir a tamanhos obstáculos. Indústrias colocando o pé no freio e reduzindo o volume de produção diante da baixa demanda de consumo. ...

Enfim, à revelia do ceticismo, do negacionismo, do idealismo de alguns, a vida continua sendo ela. Não adianta fazer cara de paisagem. Nem sempre somos “felizes para sempre”. Até que se tenha uma cura efetiva, um remédio ou uma vacina, o que de melhor se pode fazer é usar o bom senso e cuidar de si, a partir das estratégias que temos as mãos: distanciamento social, higienização constante, álcool gel e máscara. Afinal, é como escreveu William Shakespeare, “A sabedoria e a ignorância se transmitem como doenças; daí a necessidade de se saber escolher as companhias”.

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