Quem paga o preço da crise?
Quem
paga o preço da crise?
Por
Alessandra Leles Rocha
No mesmo dia em que o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou um aumento de
27,6% de desemprego nos últimos quatro meses de Pandemia, o que significa 12,9 milhões
de pessoas 1, chega pelas vozes da
imprensa que a Advocacia Geral da União (AGU) promoveu 607 procuradores federais
a uma categoria especial, com salário de R$27,3 mil 2.
De repente, pairou no ar
denso uma nuvem de dúvidas. Afinal, se há tanta discussão em torno de se manter
ou não o teto de gastos do Governo Federal, em face dos riscos de desequilíbrio
econômico que poderiam decorrer disso... Se houve uma defesa aguerrida da Reforma da Previdência justamente para promover economia em longo prazo e trazer certo respiro as
finanças nacionais... Se há uma busca pelas Reformas Tributária e Administrativa
com o propósito de destravar obstáculos econômicos e enxugar a máquina administrativa
respectivamente... Então, a decisão da AGU parece fora de contexto, não é
mesmo?!
A verdade é que o preço da
crise será pago pelos mesmos de sempre: a base da pirâmide social. Ela que é
superpopulosa e que sustenta uma ínfima parcela de privilegiados, os quais não
suportam admitir a hipótese de perder um vintém sequer. Ela que é mal remunerada e espoliada nos seus
direitos mais fundamentais. Ela que está cada vez mais distante do trabalho
formal e mais próxima da informalidade mendicante.
Sim, porque os caminhos da
economia como se mostram, mesmo antes da Pandemia, não incluía essas pessoas no
rol das prioridades. Então, se a situação já era ruim, com os impactos do
COVID-19 dentro e fora das fronteiras nacionais, agora tende a se tornar
insustentável. Por enquanto, os dados divulgados pelo IBGE concentram-se no
contingente populacional desempregado; mas, ainda há de se considerar a taxa
dos desalentados (aqueles que não estão em condição de buscar trabalho nesse
momento por diversas razões, incluindo a própria Pandemia), a qual no segundo
trimestre de 2020 contabilizou 5,7 milhões de pessoas.
Contudo, não se vê ações efetivas
de corte de gastos nas esferas de poder – Municipal, Estadual e Federal - e,
nem mesmo, entre os poderes da República – Executivo, Legislativo e Judiciário.
Como se vivessem em uma realidade paralela, eles permanecem desfrutando de
todos os direitos, benefícios e regalias sem nenhum constrangimento. Com
salários exorbitantemente superiores a média básica no país e, tantas
vezes, acrescida de verbas extras; eles são o Brasil que não conhece o Brasil. Mas,
talvez, muito antes do que possam imaginar irão se deparar com ele.
O sopro de alento que
representou as 5 parcelas de R$600,00 do Auxílio-Emergencial pago para
aproximadamente 107,11 milhões de cidadãos brasileiros (50,7% da população) contribuiu
para garantir certo fôlego, ainda que pequeno, para a economia nesses meses pandêmicos.
Entretanto, pela incapacidade de manter esse valor até o fim de 2020, foi
proposta uma redução para R$300,00 a serem pagos em 4 parcelas. De modo que,
essa redução não irá impactar somente a vida dos beneficiados; ela irá impactar
a dinâmica econômica de um país, que precisa urgentemente se desvencilhar da sua
quase paralisia produtiva e comercial.
No entanto, a Pandemia ainda
não foi solucionada. Não temos vacina. Não temos um tratamento curativo
efetivamente eficaz. Estamos à mercê da loteria viral; de quem vai ou não sobreviver,
sair ileso ou depender de atendimento médico-hospitalar básico (ou UTI). Então,
não é à toa que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) manifestou-se, hoje,
sobre o fato de que a Pandemia extinguiu cerca de 80 milhões de postos de
trabalho (33,5% do total), na América Latina nesse segundo trimestre,
tornando-a a região do planeta que mais perdeu empregos entre os meses de abril
e junho 3.
E como disse José Saramago,
“se toda a política precisa de uma
economia, a economia determina uma política; é isso que está a acontecer (com a
globalização)”. Isso significa que as projeções para o Brasil são complexas
e severas. Se não houver um consenso rápido quanto ao enfrentamento coletivo
dessa crise, o país permanecerá “retirando
água do barco com dedal”, ou seja, aplicando o contínuo princípio da incapacidade
e insuficiência, assistindo ao acirramento das conjunturas.
De certo modo, o país já
está retirando dos pobres para atender aos paupérrimos, basta por reparo nas
entrelinhas, nos vieses da República. São muitos os mecanismos utilizados nesse
processo de precarização e vulnerabilização social, basta olhar o que há
debaixo de nossos narizes. Portanto, o que o Brasil precisa é redescobrir as
suas prioridades para redefinir a sua rota de governança e gestão, levando em
total consideração a realidade presente, a qual não dispõe de precedente para
se espelhar. Dessa vez não tem receita. Dessa vez não tem jeitinho. Dessa vez
terão que arregaçar as mangas e colocar de pé uma solução capaz de realmente
solucionar a crise que se agiganta diante de nós, de todos nós.
1 https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/09/desemprego-aumentou-276-em-quatro-meses-de-pandemia-diz-ibge.shtml