Que não se confunda “alhos com bugalhos”!


Que não se confunda “alhos com bugalhos”!




Por Alessandra Leles Rocha 





Que não se confunda “alhos com bugalhos”! Desde a chegada de D. João VI e sua corte nessas terras que o “beija-mão” transformou-se em prática instituída. Se para o monarca era a representação de uma subserviência pública da população, para quem o fazia era, de certo modo, a expectativa da projeção e ascensão social. Nem de longe, portanto, uma tradução do bem querer genuíno e desinteressado ou, quem sabe, uma amizade imponderável.
A base dessa relação sempre fora o interesse. Cada lado visando uma particularidade em especial. Olhares, risos, afagos, tudo bem medido e pesado na ficção teatral transpirante de pseudorrealismo. Afinal de contas, o mundo não precisa ser participado ostensivamente de tais intenções tão controversas a ética, a moral e aos bons costumes.
Por isso, aqui e ali se encontram exemplos dessa natureza obscura. Por se tratar de um comportamento humano sua manifestação é bem democrática, ou seja, nada seletiva. Gente de todo tipo se entrega a esse caminho. Basta um desvio de caráter e personalidade, aqui e outro acolá, para se render as artimanhas da cobiça e da ganância, por entre os atalhos dos “jeitinhos”.
Ainda que não se beije mais as mãos, em seu sentido literal, inúmeras outras formas surgiram para cumprir o mesmo papel. Alianças, conchavos, conluios,... para expressar as relações de “vale-tudo”, as quais “os fins sempre justificam os meios” e não importam quais sejam estes. Mas, será que o “vale-tudo” vale mesmo a pena?!
Diante de um materialismo tão radical e exacerbado parece existir uma sombra de fragilidade que torna todas as tramas dessa fiação sensivelmente delicadas. Tudo pode se desfazer em uma fração de segundos. Basta que um dos lados roa a corda de sustentação. Basta uma desavença. Basta uma traição. Basta um desinteresse qualquer. E pronto...
Quem nunca assistiu na história do mundo, “amigos” se tornarem “inimigos” e “inimigos” se tornarem “amigos”? No imenso tabuleiro geopolítico sempre foi assim. Reinam absolutos os interesses e as necessidades. Todo resto pode e deve ser substituído segundo as conjunturas. Não há amigos. Há aliados. Não há inimigos. Há adversários. Simples e objetivo assim.  
Reparando com atenção, como sugeriu José Saramago 1, não é difícil perceber, então, como a vida se equilibra nesse jogo de inconstância. Os séculos não foram clementes nesse sentido, para se tornarem capazes de atenuar essa obsessiva necessidade de consagração materialista.
Por isso, mais e mais legiões de seres humanos foram sendo arrebanhados para essa arena. Aliciados por promessas, por “ouro de tolo”, por “castelos de areia”. Entre a satisfação das migalhas e a inquietude de espírito eles se consomem. Nada disso trouxe ou lhes trará alguma paz. Nem tampouco, alegria e satisfação verdadeira.
Talvez, seja essa a razão do incômodo ou desconforto que emerge em ouvir denominadas essas relações como amizade. Não, isso não é amizade. Nem de longe se assemelha a tal ideia. São muitas as razões que unem os seres humanos; mas, nem todas se permeiam por qualidades positivas, altruístas, fraternas, empáticas.
Na amizade, entretanto, há uma busca coletiva pelo bem em todas as suas formas, dimensões e sentidos, que conduz sempre a propósitos edificantes e não destrutivos. Qualquer relação que se desvie disso não pode ser classificada como amizade. Não é à toa que dizem “a quantidade de amigos cabe nos dedos das mãos”.



1 “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”. (José Saramago – “Ensaio sobre a Cegueira”).

Comentários

Os textos mais lidos