Massificação Social – a difícil decisão entre o Ser e o Ter
Massificação
Social – a difícil decisão entre o Ser e o Ter
Por
Alessandra Leles Rocha
EU DECIDO. Essa afirmação
com ares de certeza absoluta sempre me faz rir. Afinal de contas, a verdade é
que nas entrelinhas desse “decidir” há mais ingerências do que se pode
imaginar. Nem sempre, ou quase sempre, as decisões acabam não sendo tomadas
pelo ponto de vista único e restrito do decisor. E quando o assunto é se lançar
de peito aberto aos devaneios do consumo, isso fica ainda mais evidente.
O ser humano quer
pertencer, quer ser aceito. E no contexto da Pós-Modernidade, as aparências contam,
e muito. Nada de destacar as singularidades, as habilidades e competências individuais,
mas aparentar a homogeneidade vigente no coletivo. Assim, o consumo segue
regras ainda que subjetivas e etéreas.
Segundo o sociólogo
Zygmunt Bauman considerou em entrevista ao jornal espanhol La Vanguardia, em
2014, “Não se pode escapar do consumo:
faz parte do seu metabolismo! O problema não é consumir; é o desejo insaciável
de continuar consumindo... Desde o paleolítico os humanos perseguem a
felicidade... Mas os desejos são infinitos. As relações humanas são
sequestradas por essa mania de apropriar-se do máximo possível de coisas” 1.
E nessa toada de
desatino, sem se dar conta, CONSUMIR vira palavra de ordem. Ninguém se dá o
benefício da dúvida e questiona porque está comprando isso ou aquilo. É
automático. Compra inadvertidamente. Compra por causa da propaganda. Compra porque
está na promoção. Compra porque está triste. Compra porque está feliz. Enfim...
COMPRA. Só que por trás desse automatismo irracional a compulsão consumista
traça um paralelo assustador entre a exaustão dos recursos naturais com sua
produção exacerbada de resíduos e a MASSIFICAÇÃO SOCIAL.
Sim, o consumismo
tem dilapidado com fúria o elemento mais essencial da natureza humana, a
identidade. O modo como os meios de produção regulam a construção dos padrões
de necessidade e comportamento, faz com que haja um desvio mínimo desses; mas,
em contrapartida, um retorno financeiro absurdo em relação aos produtos
comercializados. A sociedade de consumo foi gradualmente anulada na sua
individualidade para se tornar um espectro do coletivo, segundo a capacidade
orçamentária de aquisição.
Quaisquer
tentativas de manter a sua autonomia e poder de decisão são violentamente
reprimidas; afinal de contas, o indivíduo não pode destoar da “massa”. Isso
significa obstaculizar informações durante o processo de compra e venda,
segregação social, perda do lugar de fala enquanto consumidor, enfim... Querem
fazer acreditar por toda lei que o consumo é o passaporte social para ser
aceito nesse ou naquele lugar. Então, ainda que sejam massacrados, alguns
acabam se rendendo aos apelos e pressões desse sistema.
Isso significa que
a perversidade está no ar. Se o consumo exaure o meio ambiente, como já provado
cientificamente por A+B, a exaustão humana pode ser ainda pior. Adquirir tudo,
o tempo todo, requer trabalhar, trabalhar, trabalhar, para ter meios de
adquirir. Ao invés de viver a vida no sentido do SER, passa-se a viver em
função do consumo, no sentido do TER.
O resultado desse
processo é óbvio, um vazio existencial profundo. O Consumismo é inútil no campo
subjetivo, tal prática só faz crescer e destruir o ser humano. A corrida imposta
por esse “vale quanto pesa” conduz ao rápido desenvolvimento das doenças
mentais, por exemplo. Como mostra a ilustração desse texto, “Em uma sociedade de consumo tudo se
transforma em mercadoria”. Há sempre uma casca a ser observada; mas,
ninguém se importa com o conteúdo.
De repente, quando
se percebe essa insaciável apropriação material alcança o ser humano, na medida
em que torna as relações inconstantes, friáveis, em uma busca constante pela
satisfação dos desejos. O outro se torna o objeto da cobiça. Satisfeito o
desejo torna-se desinteressante e precisa ser substituído; do mesmo modo com
que se procede diante de quaisquer bens materiais.
Por todas essas
considerações é que essa reflexão precisa se tornar cada vez mais fundamental
para que as pessoas enxerguem as suas verdadeiras prioridades e exerçam seu
protagonismo social com ênfase. DECIDIR é um direito inalienável, ou seja, que
não pode ser vendido ou cedido a ninguém; é seu e ponto final. Decidir requer reflexão,
coerência; mas, sobretudo, ATITUDE.
Parece difícil, eu
sei; pois, tamanhas distorções têm lá suas raízes profundas e calcificadas no
século XVIII, no início da escalada da Revolução Industrial que trouxe no
arcabouço de suas inúmeras inovações e transformações uma consciência
exacerbada quanto às demandas sociais.
Mas quais demandas?
Manifestas por quem? Ora, o sentido da produção industrial só se fundamenta se
houver na outra ponta um consumidor ávido e capaz de comprar; de modo que, as
aquisições tornam-se parte integrante e integrada da sociedade que se permite
iludir ao ouvir dizer por aí sobre todos os prazeres e alegrias disponíveis no
mercado.
Essa mercantilização
que constrói a ideia de que “tempo é dinheiro”, faz com que tais “facilidades”
produzidas continuamente acenem com a promessa da possibilidade de se dedicar a
outras atividades; ou seja, mais horas para, quem sabe, produzir realizar e
ganhar mais.
Não é à toa que já
estamos na Revolução 4.0! Sem que se perceba, esse movimento de inovação ininterrupta
eleva os níveis de consumo e torna cada um “outro tijolo no muro” 2 das desigualdades, mais um ser
inanimado produzido em escala; em suma, um alienado que ao invés de optar pela
ESCOLHA autônoma, autoral, decide OBEDECER silencioso ao “efeito manada”.
1 Maio 2014. Núria Escur, do jornal
espanhol La Vanguardia, entrevistou Zygmunt Bauman no Hotel Majestic, em
Barcelona.
2 Pink Floyd – Another brick in the wall. https://www.youtube.com/watch?v=YR5ApYxkU-U