Para pensar...


Grandes tragédias. Grandes lições.



Por Alessandra Leles Rocha




Quem disse que as tragédias são estéreis cometeu um grave equívoco. Nada mais producente do que elas no que diz respeito às reflexões. E se pensar nos conduz a algum nível de transformação, grandes males têm lá o seu crédito com a humanidade (ou pelo menos, já deveriam ter).
Diante do espetáculo terrível das manchas de resíduo petrolífero se disseminando pela costa nordestina brasileira, além de presenciarmos in loco que água e óleo não se misturam, temos mais um exemplo grotesco do desrespeito humano com as águas. 
Vejamos que a escassez de água doce no planeta já é uma realidade, de modo que, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), aproximadamente 1,1 bilhão de pessoas não têm acesso à água potável.
Em nome do progresso e do desenvolvimento econômico não sustentável, as reservas de água doce estão sendo, tanto extintas pelo desmatamento e pelo mau uso e ocupação do solo, quanto pela contaminação por substâncias químicas altamente nocivas, como os agrotóxicos e os rejeitos (efluentes) industriais, por exemplo.
A falta de saneamento básico, também, é outro fator impactante sobre essas águas; de modo que, nos países em desenvolvimento a carência de água potável se relaciona acerca de 80% das mortes e doenças. O que pode ser traduzido tanto em termos diretos quanto indiretos desse déficit de saneamento, pois há inúmeras doenças veiculadas diretamente pela água (Hepatite A, Giardíase, Amebíase, Febre Tifoide, Cólera, Leptospirose, por exemplo) e outras indiretamente, na medida em que a água é criadouro de transmissores (Febre Amarela, Zika, Dengue, Chikungunya e outras).
Além disso, com cerca de 7,7 bilhões de habitantes, o planeta demanda um consumo de água contínuo e significativo, ou seja, ele representa duas vezes a taxa de crescimento da população atual e as projeções para 2025 indicam um total de 52 países sofrendo a escassez crônica de água (3,5 bilhões de pessoas). Estudos da Agência Nacional de Águas (ANA) “mostram que, de um total de 29 aglomerados urbanos no país, 16 já precisam buscar novos mananciais para garantir o abastecimento até 2015” 1.
Impactadas as águas doces do planeta, as salgadas seguiram o mesmo caminho. Antes mesmo que os tais resíduos viscosos de petróleo despertassem a nossa atenção, os volumes monstruosos de plástico (que são, também, provenientes do petróleo) já assinalavam a destruição dos oceanos e colocavam em xeque a sobrevivência da sua fauna e flora. Mas, quando se decide aprofundar nessa questão se descobre que a poluição marítima consegue, ainda, ir muito além.
Embora apontado como o grande vilão dos mares, o petróleo não está sozinho nessa. Grandes embarcações de carga e transatlânticos de luxo insistem no descarte de dejetos e efluentes em alto mar. Não se esquecendo das cidades litorâneas que contribuem negativamente para o lançamento de esgotos. Tudo isso, apesar dos inúmeros acordos e tratados ambientais internacionais dedicados às questões oceânicas.
A diversidade e quantidade de substâncias impróprias ao meio ambiente marítimo é tamanha que compromete desde a produção de oxigênio pelos plânctons (cerca de 40% do oxigênio que respiramos) até a capacidade regenerativa natural dos oceanos, especialmente pelo fato de que muitos desses produtos não são biodegradáveis. Então, para quem pensava na dessalinização da água do mar 2 como solução para a escassez de água doce...
Diante do maior desastre ambiental do litoral brasileiro temos muito a refletir e nos conscientizar. É preciso, de uma vez por todas, entender que ao dispor dos recursos naturais como meras commodities mercantis impõem-se riscos e desdobramentos, às vezes, irreparáveis. Um exemplo disso foi o Desastre Ambiental de Minamata, no Japão, na década de 40, quando uma indústria “começou a usar mercúrio para fabricar cloreto de vinila e acetaldeído, jogando os resíduos num rio que desaguava na Baía de Minamata” 3, o que contaminou a água, os peixes e os frutos do mar que serviam de alimentação para a população local.  
A visão meramente exploratória e extrativista do Meio Ambiente e seus recursos renováveis e não renováveis é coisa do passado; há tempos já foi substituída por práticas sustentáveis constituídas a partir do desenvolvimento científico e tecnológico promovido e estimulado mundialmente. Portanto, tendo em vista todos os tratados e convenções, os quais o Brasil é signatário, já deveríamos saber que é sim, possível aliar rentabilidade e preservação, desde que haja disposição para romper com práticas obsoletas e lançar mão da inovação.
Além disso, a gestão ambiental não isenta a humanidade das suas responsabilidades civis e criminais. Vigilância e acompanhamento periódicos das ações estão nessa pauta. Protocolos de defesa e recuperação ambiental, em constante atualização, também. Medidas assim é que sustentam políticas socioambientais consistentes e reafirmam tratados, acordos e legislações ambientais vigentes; bem como, nos trazem tranquilidade e equilíbrio a nossa própria sobrevivência. Como bem disse David Émile Durkheim, “quando os costumes são suficientes, as leis são desnecessárias. Quando os costumes são insuficientes, é impossível fazer respeitar as leis” 4. Pensemos com mais seriedade a respeito!  


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