Às mulheres...

Às mulheres...



Por Alessandra Leles Rocha



“Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade” (Artigo 1º, Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948).
Ainda que por razões de ordem histórica, cultural ou religiosa, muitos países ainda resistam a essa afirmação, na consciência individual ela pulsa o que de mais importante precisamos reafirmar, ou seja, ao se reconhecer a dignidade humana como cerne estrutural de todos os indivíduos, de modo algum podemos admitir que estes sejam tratados como coisa, objeto e/ou propriedade.
Isso implica, então, na construção de um olhar que subtraia quaisquer vestígios da desigualdade e reafirme a importância humana acima do gênero. Como disse a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, “a pessoa mais qualificada para liderar não é a pessoa fisicamente mais forte. É a mais inteligente, a mais culta, a mais criativa, a mais inovadora. E não existem hormônios para esses atributos”.
O mundo perde diariamente a força de milhões de mulheres por resistir a olhar além da imagem e perpetuar discursos históricos de ódio, preconceito e segregação. Interessante é perceber que, diante de circunstâncias extremas, tais como as guerras, toda a rigidez desse pensamento se esvai. Durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, milhares de norte-americanas assumiram os postos de serviço em seu país enquanto os homens se engajavam aos pelotões. Afinal de contas, o cotidiano não podia parar e as demandas de guerra precisavam ser supridas 1.
Então, onde foi parar o estereótipo da fragilidade, da incapacidade, hein?! As excepcionalidades da vida não podem ser razão para determinar concessões e/ou prerrogativas especiais às mulheres, simplesmente porque isso não faz sentido. Ou elas são capazes ou não são. Ou elas podem ou não podem. Não há meio termo nisso.
Ao longo dos séculos o desafio feminino tem sido se fazer visível socialmente. Não no contexto de regras e padrões definidos majoritariamente pela estrutura masculina e patriarcal; mas, como indivíduo, sujeito capaz de pensar, agir e contribuir na construção social. O que não significa uma sobreposição ou substituição aos indivíduos do sexo masculino, como muitos ainda querem afirmar.
Talvez, essa distorção seja a grande responsável pelo sentimento de repulsa e ódio contra o chamado empoderamento feminino, disseminado ao redor do planeta. O que se pretende, na verdade, ao empoderar as mulheres é dar-lhes a tão sonhada visibilidade social, garantindo como a qualquer ser humano a sua “liberdade e igualdade em dignidade e direitos”.
E isso nada tem de tão extraordinário, trata-se apenas do óbvio e do lógico. Na verdade são as demandas socioeconômicas que estimulam esse empoderamento de maneira cada vez mais urgente. Na medida em que a concentração de renda nas mãos de poucos favorece ao achatamento do poder aquisitivo da grande massa populacional, todos os indivíduos são obrigados a lutar por sua sobrevivência e ingressar nas frentes de trabalho. A permanência restrita das mulheres nas tarefas domésticas representa, sem dúvida alguma, um empobrecimento na renda familiar.  
Ao contrário do que muitos possam pensar o enfrentamento da jornada de trabalho, dentro e fora do lar, não é uma opção voluntária da mulher; mas, a manifestação impositiva da necessidade econômica. O que se agrava nos casos em que elas são as únicas provedoras do lar, em razão da desigualdade salarial entre homens e mulheres.
Estando, então, no mercado de trabalho, sob a vigência da desigualdade salarial, outra consequência inevitável foi à busca cada vez maior pela qualificação educacional. Na medida em que a sociedade lhes nega a “igualdade em dignidade e direitos”, elas foram subliminarmente induzidas a buscar novos caminhos e oportunidades para alcançá-los e a Educação representa exatamente isso.
Percebe-se, portanto, um movimento constante e necessário das mulheres, na medida em que a própria sociedade lhes impõe obstáculos para o reconhecimento da sua igualdade, dignidade e direitos. E cada passo adiante, se essa sociedade não encontra uma razão para desafiá-las, faz da violência um instrumento de contenção.
Por um momento quis acreditar que homens puxando mulheres pelos cabelos era uma imagem pré-histórica, envelhecida nos livros; mas, descobri que não. Mas, isso é bom porque, segundo o filósofo, escritor e professor, Mário Sérgio Cortella, “é necessário fazer outras perguntas, ir atrás das indagações que produzem o novo saber, observar com outros olhares através da história pessoal e coletiva, evitando a empáfia daqueles e daquelas que supõem já estar de posse do conhecimento e da certeza”.
Tendo em vista as considerações manifestas até aqui, eu penso que a violência contra a mulher, além de crime abominável, é o maior desserviço social cometido; sobretudo, na atualidade.
A violência contra a mulher repercute direto no esfacelamento social, econômico e cultural de um país. A violência contra a mulher fragiliza a organização e estrutura familiar e se desdobra em repercussões sociais diversas, tais como, o uso de drogas. A violência contra a mulher amplia as fronteiras das doenças mentais – depressão, síndrome do pânico, compulsão alimentar etc. –, ocasionando desemprego e onerando os serviços públicos de saúde; bem como, o próprio Estado. A violência contra a mulher retira da escola crianças e adolescentes, vítimas secundárias dessa violência, comprometendo o desenvolvimento humano desses indivíduos. A violência contra a mulher...
Infelizmente, a violência física, psíquica e emocional contra a mulher continua todos os dias presente nos jornais, nas revistas, nos sites, na vida, retirando e anulando quaisquer lampejos de dignidade humana, de direitos, de liberdade; mas, lhes devolvendo esse velho status de propriedade, objeto, coisa, a qual se pode por e dispor a bel prazer. Já passou da hora de refletirmos sobre isso, sobre que tipo de valores e princípios nos apoiamos, sobre que tipo de pessoas somos, sobre que tipo de sociedade ostentamos. O futuro depende sim do ontem e do hoje; então...




1 AS NORTE-AMERICANAS E A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL. Disponível em: http://historiahoje.com/as-norte-americanas-e-a-segunda-guerra-mundial/.
A PARTICIPAÇÃO FEMININA NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL. Disponível em: http://historiahoje.com/a-participacao-feminina-na-segunda-guerra-mundial/.

Comentários

Os textos mais lidos