"As memórias não são apenas sobre o passado, elas determinam o nosso futuro". (do livro O Doador de Memórias)
Será
mesmo que recordar é viver?
Por
Alessandra Leles Rocha
Certamente não há
consenso para responder a essa pergunta. Alguns dizem que “quem vive de passado
é museu”. Outros que “lembranças fazem bem para alma”. Enfim... Cada um sente
enxerga percebe e compreende a vida de maneira muito singular. Particularmente,
eu me considero “nem tanto ao mar e nem tanto a terra” nesse caso.
Penso que ninguém
pode viver com os olhos virados para o passado; mas, de vez em quando deixar
fluir as lembranças pode sim, ser um exercício interessante; sobretudo, no que
tange as reflexões.
Viver não cabe
reescrita. Não, não é rascunho para se passar a limpo. Vive-se e pronto, com
erros, acertos, tropeços, deslizes... tudo, tudinho que existe no pacote do
cotidiano. Nada de simples ou complexo, apenas um mosaico fascinante de
acontecimentos capazes de garantir, no mínimo, um bom causo, uma dúzia de
lágrimas, um aperto no coração, uma noite de insônia, ou sei lá o quê.
Viver é obra do
tempo. E o tempo é água de rio. Como disse o filósofo pré-socrático Heráclito, “é impossível pisar no mesmo rio duas vezes”;
afinal, a água que corre por aquele caminho nunca é a mesma. Assim é o tempo, metamórfico,
que se transforma à revelia do nosso pensar, do nosso querer... “Nada
do que foi será de novo / do jeito que já foi um dia...” 1, segundo a canção.
As recordações são
lições. Boas, ruins, mais ou menos,... mas, dadas de presente pelo Tempo para
construir um caminho que tenha mais luz do que escuridão. Aprendizados que
modelam a reflexão não como receita de bolo; mas, como advertência frente aos
novos tempos e conjunturas que a vida assume toda manhã. Ora, se nascemos, crescemos,
envelhecemos é sinal, mais do que evidente, de que as mudanças são essenciais.
Talvez, por isso, as recordações
tenham momento certo e oportuno, tenham que ter razão para acontecer.
Recordações de algum modo têm que nos fazer sentido, ter importância para
despertar algo adormecido dentro de nós. Afinal de contas, o ato de recordar é
muito íntimo e pessoal; pois, ele nos faz debruçar por uma brevidade de momento
por estradas e caminhos do tempo da nossa existência, para depois voltar a
viver o hoje, o agora, sem nenhuma gota de saudosismo.
Minhas recordações
são minhas. Só a mim elas interessam. Só a mim. Por mais que eu quisesse, ou
obrigasse, ou exigisse que outros participassem das minhas recordações, isso
seria impossível. Recordar é encontro com a nossa mais profunda subjetividade,
individualidade, identidade. Como na poesia de Casimiro de Abreu, “Oh! Que
saudades que tenho / Da aurora da minha vida, / Da minha infância querida / Que
os anos não trazem mais!...” 2.
O bom é que todos os
dias armazenamos recordações. Podemos escolher o que recordar. Podemos
priorizar o que é mais importante, significativo, especial. No frigir dos ovos
somos feitos de carne, osso, alma e recordações; de modo que devemos, então, ressaltar
sempre as mais bonitas para que nossa aparência possa refletir um bocado da
beleza que existe e persiste na vida. Recordar deve ser, portanto, a busca
constante e eterna de se viver e conviver com o que há de melhor da existência
humana.